Recordar os acontecimentos do Irão há 70 anos ajuda a compreender a atual estratégia dos EUA para o Médio Oriente.
O discurso em que Obama anunciou que decidira bombardear a Síria
inseriu-se numa política de dominação universal concebida no final da II
Guerra Mundial.
Inseguro quanto à atitude do Congresso e ciente de que a maioria do
seu povo condenava um ataque militar à Síria, o presidente recuou. Mas
seria uma ingenuidade acreditar numa viragem da estratégia agressiva dos
EUA para a Região. Nesta, o derrubamento do governo de Bashar al Assad é
somente uma etapa do projeto que tem por alvo numa segunda fase o Irão,
o grande país muçulmano que não se submete ao imperialismo
norte-americano.
É útil lembrar que foi ainda em vida de Roosevelt que um grupo de
sábios da Casa Branca e do Pentágono elaborou o War and Peace Program,
ambicioso plano que visava a longo prazo estabelecer o domínio perpétuo
dos EUA sobre a Humanidade, a partir da convicção de que a desagregação
do Imperio Britânico estava iminente e era irreversível.
Ainda não fora criado o estado de Israel, mas a substituição da
hegemonia da Grã-Bretanha no Médio Oriente figurava entre as prioridades
desse Programa entre cujas metas se incluía o esfacelamento da União
Soviética.
O êxito em 1953 do golpe de Estado que derrubou o governo
progressista de Mohammad Mossadegh (1882-1967) e permitiu a
recolonização do Irão contribuiu para acelerar a penetração política,
económica e militar dos EUA no Medio Oriente.
ANTECEDENTES
Desde meados do seculo XIX, a Inglaterra e o Império russo, no
contexto da sua confrontação no Afeganistão, desenvolveram um esforço
permanente para colocar o Irão (ao tempo Pérsia) sob a sua «proteção».
Após a Revolução Russa de Outubro de 1917 a situação mudou e as
pretensões britânicas esbarraram com a firme oposição da União
Soviética.
No final da I Guerra Mundial, a monarquia persa agonizava. Um
general, Reza Khan, tornou-se primeiro-ministro em 1921 e tentou
modernizar o país. Mas, ambicioso, usou a sua popularidade para promover
um golpe de estado. Derrubou o soberano Ahmed Qajar e proclamou-se Xá,
isto é, imperador.
Entre as personalidades que se opuseram ao novo regime ditatorial
destacou-se um jovem que já desempenhara importantes funções públicas:
Mohammad Mossadegh.
Filho de um ministro da monarquia e de uma princesa Qajar, Mossadegh
estudara Ciências Sociais em França e posteriormente doutorara-se em
Direito na Suíça.
Desde a juventude chamou a atenção pela sua honestidade. Ganhou a
alcunha de «incorruptível”, como Robespierre. Mas, aristocrata pelo
nascimento e educação, casou com uma princesa da última dinastia.
Reza Xá demitiu-o dos cargos que exercia e desterrou-o para Ahamadabad, sua cidade natal.
Nos anos que separaram as duas guerras, o petróleo adquirira uma
importância enorme na economia mundial. E a Grã-Bretanha controlava as
gigantescas jazidas de hidrocarbonetos do Irão através da Anglo Iranian
Oil, um gigantesco polvo transnacional que atuava como monopólio na
produção e extração.
Alegando simpatias do Xá pela Alemanha de Hitler, o governo britânico
obrigou-o a abdicar em 1941, ocupou o Pais (com exceção da faixa Norte,
fronteiriça da URSS) e colocou no trono o filho, Reza Pahlavi.
Mossadegh regressou então à política, primeiro como deputado, depois
como ministro das Finanças e ministro dos Negócios Estrangeiros, e
finalmente como Primeiro-ministro.
A NACIONALIZAÇÃO DO PETROLEO
Uma vaga de nacionalismo varria então o Irão. Mohammad Mossadegh foi o
dirigente que soube encarnar as aspirações do seu povo, liderando a
luta por uma independência real.
O Irão estava reduzido à condição de semi-colónia. Ousou o que
parecia impossível: desafiou a Inglaterra imperial ao nacionalizar a
Anglo Iranian, que era oficialmente propriedade do Almirantado
Britânico.
Londres reagiu com sobranceria, apresentando queixa no Conselho de
Segurança, mas o órgão executivo das Nações Unidas remeteu o caso para o
Tribunal da Haia.
Mossadegh desenvolveu nesses meses uma atividade frenética em defesa
da soberania iraniana. Esteve primeiro nos EUA e o seu discurso na ONU
teve tamanha repercussão que a revista conservadora Time Magazine o
nomeou Homem do Ano em 1951. Viajou depois para a Holanda e pronunciou
um discurso histórico no Tribunal de Haia. A sua intervenção foi
decisiva para o veredicto daquela alta corte de justiça. O tribunal
concluiu que não tinha competência para julgar a denúncia da Grã –
Bretanha.
De regresso a Teerão, Mossadegh fechou os consulados britânicos,
expulsou todos os técnicos ingleses e rompeu as relações diplomáticas
com o governo de Londres.
Restituíra ao Irão a dignidade perdida há seculos e o povo identificou nele um herói.
O GOLPE
O governo britânico, apoiado pelo norte-americano Truman, decidiu
recorrer a métodos drásticos para afastar Mossadegh do poder. Intrigando
junto do Xá, criou um conflito entre o monarca e o Primeiro-ministro.
Mossadegh foi demitido em julho de 1952, mas essa decisão provocou
tamanha indignação popular, com manifestações de protesto nas ruas, que o
Xá o nomeou novamente Primeiro-ministro.
Fortalecido pelo apoio popular, pediu poderes especiais ao Parlamento
para levar adiante 80 projetos de lei que beneficiariam as massas,
esmagadas pelas engrenagens de uma sociedade arcaica.
Obteve-os. Mossadegh introduziu nos meses seguintes reformas
revolucionárias que envolveram as finanças, o orçamento, a saúde
pública, a Justiça, as pescas, a habitação, a previdência social, as
comunicações, as forças armadas. Reformas nunca imaginadas numa
sociedade islâmica marcada por heranças feudais.
Os acontecimentos precipitaram-se. O governo de Churchill comprou
dezenas de deputados para sabotar a política de Mossadegh. Este reagiu
convocando um referendo no início de Agosto de 1953 para dissolver o
Parlamento. O povo iraniano votou a dissolução por ampla maioria.
A conspiração, entretanto, estava já muito avançada. No dia 15 houve uma tentativa de golpe de estado promovida pelo Parlamento.
Fracassou e o Xá fugiu para Roma.
Mas a CIA, que contava com todo o apoio do governo britânico, que
pedira a colaboração de Truman, montara quase simultaneamente o seu
golpe com colaboração do exército. Foi precedido de manifestações de rua
com a participação de agentes provocadores e de ações de vandalismo no
contexto de uma campanha de calúnias contra Mossadegh.
E esse segundo golpe teve êxito. Preso, Mossadegh foi julgado
sumariamente por um tribunal militar que o condenou a três anos de
prisão e, posteriormente, a residência fixa na sua província.
O Xá regressou de Roma, e em tempo mínimo, as leis progressistas de
Mossadegh foram revogadas. O grande beneficiário da mudança foi, porém, o
imperialismo norte-americano. As grandes petrolíferas dos Estados
Unidos, já então fortemente implantadas na Arábia Saudita e no Iraque,
cobiçavam os hidrocarbonetos iranianos. E abocanharam uma grande fatia à
custa da Anglo Iranian que reapareceu com o nome de British Petroleum.
UM NACIONALISTA REVOLUCIONÁRIO
A Revolução iraniana de 1979 foi o desfecho da longa e cruel ditadura
que, sob a liderança nominal do Xá Reza Pahlavi, se implantou no país
após o golpe de 1953.
Recolonizado, o Irão foi o melhor e mais dócil aliado dos EUA no
Médio Oriente. Durante um quarto de século, os gigantes transnacionais
do petróleo foram no país o poder real.
O Ayatollah Komeiny não teria obtido a amplo apoio popular que lhe
permitiu impor a sua República Islâmica xiita se o povo não sentisse uma
repulsa tão forte pela arrogância imperial dos EUA e e não estivesse
maduro para se rebelar contra o monstruoso regime policial do Xá.
A memória do breve governo revolucionário de Mossadegh permanece viva
e funciona como um estimulante no confronto dos atuais governantes com
Washington. Obama não esconde que os EUA não aceitam um Irão insubmisso.
Mas a ofensiva de desinformação estado-unidense que continua a
apresentar Mossadegh como um defensor do socialismo deforma a realidade.
Ele foi um patriota que amou profundamente o seu povo e tinha um grande
orgulho pela contribuição civilizacional para a Humanidade dos
Aqueménidas e Sassânidas persas e do século de ouro dos Safévidas. Mas,
apesar de anti-imperialista irredutível, não contestava o sistema
capitalista.
O persa Mohammad Mossadegh foi um humanista. Herdeiro de grandes
latifúndios, distribuiu as suas terras pelos camponeses que as
trabalhavam. E como Primeiro-ministro ofereceu o seu vencimento a
estudantes pobres de Direito.
Hoje é venerado como um herói pelo seu povo.
O IRÃO DESCONHECIDO
Contrariamente ao que pensam muitos portugueses, intoxicados por um
sistema mediático perverso, o Irao não é um país subdesenvolvido.
Com uma superfície de 1 648 000 km2 (o triplo da França) tem uma população de 79 milhões de habitantes.
Herdeiro de grandes civilizações, o seu povo é o mais culto e educado do Islão, sendo muito baixa a percentagem de analfabetos.
Sociedade multinacional - somente 52% dos habitantes são persas - o
idioma oficial, o farsi, é falado por toda a população. Foi durante
séculos a língua da corte otomana e dos imperadores Mogóis da India.
O sector avançado da indústria é comparável ao de países como o
Brasil e o México. Produz quase meio milhão de automóveis por ano, a
maioria de marcas nacionais.
É o quarto produtor de petróleo do mundo e possui as maiores reservas
de gás natural. Autossuficiente na produção de cereais, conta com
rebanhos bovino e ovino de muitas dezenas de milhões de cabeças.
Tive a oportunidade numa viagem de carro pelo planalto iraniano de
passar em frente das instalações nucleares de Natanz. Soube ali que
estão protegidas por misseis sofisticados, de produção nacional, capazes
de atingir Israel.
Os generais do Pentágono admitem que bombas convencionais serão
provavelmente ineficazes se utilizadas contra os bunkers subterrâneos de
Natanz.
Publicado pelo semanário AVANTE em 26 de Setembro de 2013
Replicado pelo Portal do PCB.
Nenhum comentário:
Postar um comentário