quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Fora as Tropas Brasileiras do Haiti

FORA AS TROPAS BRASILEIRAS DO HAITI!

A imprensa corporativa e a assessoria de comunicação das Forças Armadas Brasileiras informam que, de 5 a 23 de outubro, na cidade de Pelotas, RS, haverá treinamento conjunto dos 850 militares de diversas partes do país que comporão o 23º contingente de tropas brasileiras (BRABAT 23) a serem enviados ao Haiti no bojo da chamada MINUSTAH, Missão das Nações Unidas para a “Estabilização” do Haiti.

Como vem ocorrendo desde 2004, a imprensa corporativa capitalista e o discurso oficial das Forças Armadas Brasileiras constroem uma visão idealizada da missão da ONU e do papel das tropas brasileiras que a comandam dentro do contingente internacional, como se esse papel fosse o de levar a “paz” a um país e uma sociedade falidos e incapazes de definir seu destino de maneira autônoma. A imagem passada é a de um povo que, por razões não explicadas explicitamente (mas, subrepticiamente, com insinuações racistas e colonialistas), sem a “ajuda” externa – de forças militares! – não teria condições de governar a si mesmo sem que a violência impere em seu meio. As forças armadas brasileiras, no contexto da missão da ONU, estão lá para salvar o povo haitiano de si mesmo e levar a paz e a civilização. É o discurso do “fardo do homem branco”, tão conhecido das justificativas do colonialismo mais brutal dos séculos XIX e XX, recuperada para a propaganda imperialista (e subimperialista, no caso brasileiro) do século XXI.

A realidade não é bem assim.

Haiti: Há Dois Séculos, Punido Por Não Se Submeter à Opressão.

A história do Haiti tem sido a história da resistência do povo haitiano à opressão. E isso, em um mundo desigual e baseado na exploração do homem pelo homem, não pode ser perdoado.

No fim do século XVIII, o Haiti era a mais próspera colônia francesa. Os grandes proprietários franceses, às custas do trabalho escravizado, criavam fortunas com a cultura da cana de açúcar para satisfazer os mercados europeu e norte-americano. Aos negros, trazidos da África para gerar essa riqueza com seu suor e sangue, só restava a violência indizível dos proprietários no ritmo extenuante da exploração escravista.

Mas, quando estoura, na Europa, a Revolução Francesa, e a burguesia em ascensão, para derrotar a aristocracia, agita o discurso da Liberdade e dos Direitos do Homem e do Cidadão com que pretende liderar todo o povo contra reis e nobres, as estruturas sociais da colônia de São Domingos são grandemente afetadas. Os latifundiários proprietários de escravos, ou são monarquistas, ou são apoiadores dos setores mais à direita entre os revolucionários. Alguns nutrem a esperança de ficarem independentes da metrópole e administrarem a colônia por conta própria, apropriando-se sozinhos da riqueza que exploram do trabalho escravizado. Fala-se dos direitos dos homens – brancos – e cidadãos – livres – em São Domingos. Mas não se fala na extinção do trabalho servil.

Mas, na Europa, a revolução se radicaliza. Em face da timidez da alta burguesia e no contexto da agressão reacionária aristocrática interna e externa, a pequena-burguesia assume a direção da Revolução e investe contra a nobreza e a alta burguesia. O partido jacobino, hegemônico por um tempo, depõe e executa o rei, dizima as hostes mais conservadoras das lideranças burguesas e propõe um programa popular que inclui a abolição da escravidão. O caos se instala na colônia de São Domingos, porque os proprietários de terra e de escravos se rebelam contra a metrópole francesa.




Os trabalhadores escravizados não ficam alheios a essa agitação. Os ideais de Liberdade e Direitos calam fundo na mente dos que trabalham sob o chicote do feitor e lhes incendeiam a imaginação. A experiência cotidiana da exploração e da opressão ganha um programa político e uma liderança capaz. Toussaint Louverture, ex-escravo, forma um exército de ex-trabalhadores servis rebelados que começam a luta contra os escravocratas. Outros líderes se formam entre ex-escravos e libertos, Jacques Dessalines, Henri Christophe, Aléxandre Pétion.




A bravura dos negros insurretos os leva à vitória em uma guerra encarniçada. Os latifundiários escravistas são mortos ou expulsos. Pela traição, o grande líder da revolução, Louverture, é preso e enviado à França, onde irá morrer no cárcere. Mas Dessalines, Christophe e Pétion levam adiante a luta. Na França, a reação termidoriana traz de volta ao poder a alta burguesia de direita. Revertem-se os avanços políticos e sociais. A república popular é substituída pela república oligárquica e esta acaba sendo substituída pelo império e o poder se acumula nas mãos de Napoleão, que tenta reintroduzir a escravidão nas colônias. Não conseguirá no Haiti. Enfrentando os jacobinos negros haitianos, as tropas de Napoleão, muito antes da Rússia, vão ser derrotadas na ilha de São Domingos. Em 1805, surge a primeira república negra da história, fruto da primeira revolta escrava vitoriosa. Muito antes da independência das colônias espanholas da América.

O crime da liberdade, de uma liberdade não branca e não europeia, não pode ser perdoado. “Haitiada” passa a ser um termo e um conceito temido em todas os territórios escravistas. E uma esperança para todos os trabalhadores escravizados. A Europa “civilizada” não pode aceitar uma república negra livre. Os Estados Unidos, supostos defensores da liberdade – mas cujos líderes, como Thomas Jefferson, são proprietários de escravos – não podem reconhecer o Haiti como seu igual e membro pleno da comunidade das nações livres. Por isso, um bloqueio econômico de fato é imposto ao Haiti, o que leva à crise e à instabilidade interna. Passará meio século antes que Europa e EUA reconheçam o Haiti. E, para isso, a jovem república tem de comprar sua aceitação com uma indenização exorbitante à França, que custará um século e imensos sacrifícios econômicos para honrar.

Imperialismo Estadunidente: A Primeira Invasão.

E, mesmo assim, o Haiti não consegue obter a paz. No início do século XX, os EUA se lançam à empreitada imperialista e desejam dominar completamente o estratégico Mar do Caribe. A pretexto de garantir os interesses dos bancos estadunidenses - a quem o Haiti deve muito - em face da instabilidade interna, o presidente americano Woodrow Wilson envia os Marines para subjugar a república negra. Não conseguirá fazê-lo sem luta e resistência por parte dos haitianos. Serão precisos quatro anos (1915-1919) para acabar com a resistência. A simbólica imagem do corpo do líder rebelde Charlemagne Péralte como que crucificado, que corre o mundo, sela a vitória dos invasores estadunidenses, que permanecerão na ilha até 1934.



Durante a ocupação, os EUA cultivam uma elite local que tem seus interesses ligados ao imperialismo e que trata de explorar e oprimir o próprio povo em consonância com os ditames de Washington e dos executivos das multinacionais. Forças armadas locais são treinadas pelos EUA e seguem fielmente as orientações norte-americanas. “Pacificado” o Haiti e entregue a uma burguesia local submissa, os EUA retiram as tropas, em 1934, mas mantêm o controle das finanças do país até 1947. E não se furtam de intervir na política da república caribenha sempre que consideram que seus interesses estão ameaçados. De 1934 a 1956, sucessivos presidentes irão se curvar aos ditames de fora sob pena de terem seus governos interrompidos. Ainda assim, mantém-se uma fachada de “democracia” no país.

A Ditadura Duvalier.



Em 1957, um médico carismático, famoso por sua participação em campanhas de combate a doenças infecciosas promovidas pela USAID, François Duvalier (conhecido como Papa Doc), com o apoio explícito das forças armadas, se candidata à presidência e ganha as eleições com expressiva votação. No governo, rapidamente institui um regime ditatorial pessoal, com firme comando das forças armadas e a criação de uma força armada paralela de “voluntários” (na verdade, esquadrões da morte), chamada de Tontons Macoutes, que espalha o terror contra todos os que se opõem ao seu domínio. A ditadura Duvalier se torna uma das mais opressoras e violentas do continente. Os EUA, para além de algumas censuras pontuais, mantêm relações estreitas com o regime de Papa Doc, que beneficia as multinacionais estadunidenses e se alinha militar e diplomaticamente com o imperialismo americano. Duvalier governa até a morte, em 1971, e sua ditadura pessoal é continuada pelo filho, Jean-Claude Duvalier, conhecido como Baby Doc. A ditadura da família Duvalier persiste até 1986.

O Despertar da Luta Popular e a Reação Imperialista.

Em 1986, uma revolta popular leva à deposição de Jean-Claude Duvalier pelas forças armadas, que organizam uma transição “democrática” controlada e sem participação popular efetiva para além do voto. Em 1988, é eleito Leslie Manigat, que é, logo depois, derrubado em um golpe militar.



Mas, nos bairros pobres e favelas do país, desde o fim da ditadura Duvalier, se organiza um movimento popular com um programa progressista, de esquerda (ainda que não revolucionário), inspirado, entre outras fontes, na Teologia da Libertação. Destaca-se, nesse movimento, a figura do padre salesiano Jean-Bertrand Aristide. Em 1990, Aristide é eleito com 67% dos votos e obtém a maioria no parlamento. Logo a seguir, tenta implementar um programa reformista de esquerda, de caráter nacionalista, que desagrada a elite local e o imperialismo estadunidense. Menos de um ano depois, em setembro de 1991, as forças armadas haitianas implementam um novo e sangrento golpe, derrubando Aristide, que vai para o exílio. O novo regime militar é comandado por Raoul Cédras.

Em 1994, durante o governo Clinton, com um discurso em defesa da “democracia”, os EUA se propõem a aceitar o retorno de Aristide à presidência do Haiti... desde que ele se comprometa a renunciar a todo o programa popular e nacionalista e que, de volta ao governo, implemente a pauta neoliberal. Aristide se curva aos ditames imperiais e, sob a proteção dos Marines, retorna ao Haiti. As forças armadas são abolidas.

Aristide consegue eleger seu sucessor, René Préval, mas, logo após, rompe com ele e funda um novo partido, o Fanmi Lavalas, que, nas eleições locais seguintes, obtém um terço dos votos. Préval segue os ditames neoliberais.

Em 2001, novamente agitando um programa popular e progressista, Aristide obtém uma vitória avassaladora e consegue maioria no parlamento. A elite local não reconhece a vitória e procura subverter o novo governo. Muito dependente da ajuda econômica internacional, o Haiti fica vulnerável, quando os doadores, descontentes com Aristide, suspendem as remessas.

Em 2004, sob acusações dos EUA de que estaria restringindo os direitos democráticos da oposição, Aristide passa a enfrentar uma revolta armada, comandada por antigos oficiais das forças armadas desmobilizadas e antigos participantes dos esquadrões da morte da ditadura Duvalier, os Tontons Macoutes. Alguns destes comandantes rebeldes tinham ligações com o serviço secreto dos EUA e viviam no exílio sob proteção estadunidense. Os rebeldes foram armados a partir da República Dominicana, que faz fronteira com o Haiti a leste.

Sem condições de defender seu governo, porque não há forças armadas e só os rebeldes da oposição têm armas pesadas, Aristide, ainda assim, busca resistir, na capital, apoiado pelas organizações populares, nas favelas de Porto Príncipe.



Mas os EUA não irão permitir a resistência. Em 29 de fevereiro de 2004, forças especiais dos EUA desembarcam na capital haitiana, sequestram Aristide, fazem-no assinar uma declaração de renúncia e o retiram do país para o exílio forçado na República Centro-Africana. Imediatamente, os rebeldes e a oposição empossam o presidente da Suprema Corte, Boniface Alexandre, como presidente interino. Os EUA, logo a seguir, reconhecem o novo governo surgido do golpe e da intervenção imperialista.

Boniface Alexandre solicita a intervenção das Nações Unidas. Enquanto não se forma a missão da ONU, as tropas estadunidenses ocupam o país.

A seguir ao golpe que derrubou Aristide, a perseguição ao movimento popular haitiano é severa, com prisões arbitrárias, assassinatos e a proibição da participação política da organização mais popular do país, o partido de Aristide, Fanmi Lavalas.

Em junho de 2004, se forma a MINUSTAH, a Misssão das Nações Unidas para a “Estabilização” do Haiti, comandada pelo Brasil. Do lado brasileiro, temos o desejo de inserção subordinada na ordem imperialista internacional e exercício de um subimperialismo regional. O governo oportunista e de conciliação de classes do PT, na época liderado por Lula, pretendia obter uma cadeira de Membro Permanente do Conselho de Segurança da ONU e precisava da anuência do imperialismo estadunidense. Por outro lado, os EUA, com a necessidade de liberar tropas para as aventuras imperialistas no Afeganistão e no Iraque, desejavam fieis executores de sua política de subjugação do Haiti, que substituíssem os Marines no país caribenho.



Apesar do silêncio ou da cumplicidade da imprensa corporativa e pró-imperialista, há ampla documentação do papel das forças de “paz” da ONU em abusos, violação dos direitos humanos e repressão ao movimento popular, no Haiti, que, no linguajar dos invasores, são “gangues” e “grupos armados”. A atual ordem “democrática”, no Haiti, exclui a principal organização política popular, o partido Fanmi Lavalas, de Aristide, de participar das eleições. Se foi permitido o retorno do presidente sequestrado ao país, foi-lhe imposta a prisão domiciliar e a proibição de participar politicamente.

As tropas brasileiras, no Haiti, sob as ordens do atual governo brasileiro, são cúmplices, junto com o imperialismo estadunidense e europeu e a burocracia das Nações Unidas, de manterem um regime de opressão e repressão às classes trabalhadora e camponesa e ao movimento popular haitiano, perpetuando a miséria e o sofrimento da população.




Ao mesmo tempo, a intervenção militar brasileira, no Haiti, tem uma perigosa consequência interna para o Brasil. Ela treina e acostuma os soldados profissionais brasileiros à prática da repressão de populações pobres em ambientes urbanos. Ela cria as condições operacionais e psicológicas para que esses soldados se sintam à vontade e preparados para levar a cabo a repressão nas favelas e periferias brasileiras, contra o próprio povo trabalhador, pobre, negro, favelado.



Por isso, em respeito à luta secular do povo haitiano contra a opressão colonial e imperialista e contra a exploração escravista e assalariada e em defesa de nossa própria classe trabalhadora brasileira, também oprimida e explorada, exigimos:

FORA AS TROPAS BRASILEIRAS DO HAITI!

PELO DIREITO DO POVO HAITIANO DECIDIR SOBERANAMENTE O SEU DESTINO SEM A INTERVENÇÃO IMPERIALISTA ESTRANGEIRA!

Nenhum comentário:

Postar um comentário