terça-feira, 5 de novembro de 2013

A PAZ NÃO PODE DEPENDER DE PROMESSAS E DE PALAVRAS SONORAS [FARC-EP]

Alcançamos outro porto intermediário na linha do tempo que conduz ao destino da paz que a história reservou para a Colômbia.
Nossa fé e nossa certeza brotam da determinação de colocar fim a um conflito de meio século de existência.
As guerras não são eternas; elas devem ter um final. Se ambas as partes têm vontade sincera, ninguém poderá ir contra a paz. Porém, o governo tem a responsabilidade de não permitir que essa esperança escape, porque possui em suas mãos a decisão das mudanças, de abrir as portas para a democracia e de atender o clamor de um povo que exige paz com justiça social.

Todos sabemos que a paz não é o silêncio dos fuzis. Declaramos ao governo que, para dar curso à construção da paz, terá que deter a confrontação. A razão impõe que, antes de rubricar o acordo final, é necessário acordar o conteúdo das reformas institucionais que – o mesmo governo reconhece – devem ser implementadas logo após a sua assinatura.
A paz não pode depender de promessas e de palavras sonoras, enfáticas, mas de vida efêmera. As palavras, vistas desde o contexto histórico da solução de conflitos na Colômbia, sempre se converteram em engano e traição. Confiados nelas, caíram abatidos pelas balas os comandantes guerrilheiros da dimensão de Guadalupe Salcedo, Jacobo Prías Alape e Carlos Pizarro Leongómez, entre outros.
É indispensável, para a construção da confiança, acordar o que se desenvolverá mais tarde, blindar juridicamente o eventual Acordo, convertê-lo em norma pétrea para que nenhum governo caia na tentação de desconhecê-lo; e, sobretudo, ampará-lo nas intervenções da juridicidade internacional com o desfraldar da bandeira da soberania jurídica e com o fato consumado – que todos os colombianos devemos reivindicar – de que nenhum trâmite jurídico internacional pode estar acima da decisão do soberano, do constituinte primário.
Seria um sofisma pensar que o governo na mesa representa toda a sociedade. É óbvio que do outro lado se encontram os desejos das maiorias pobres, delineados nos fóruns temáticos convocados pela iniciativa da mesa de diálogo, e que as FARC assumiram como base para o debate e para a formulação de propostas ao governo, porque entendem que uma verdadeira agenda de paz só é legítima se responde a esses interesses das maiorias nacionais.
O povo não é um convidado inerte no processo; segundo o espírito do acordo, ele deve ser um criador e, no final, o protagonista principal do acordo. Disso se trata quando se afirma que "a paz é assunto da sociedade em seu conjunto que requer a participação de todos, sem distinção".
Ninguém poderia conceber, por exemplo, em um país onde a maioria de sua população vive nas cidades, para se definir os fundamentos da paz, que não conste na agenda debater a problemática urbana.
Assim são as coisas: reiteramos que um dos compromissos acordados entre governo e FARC é que "as discussões da mesa não serão públicas". Em nenhum ponto do acordo se utiliza a palavra confidencialidade, e muito menos com referência ao que já foi acertado. E isso é importante porque, afora o fato de se desejar transparência, o secretismo nunca será pertinente e, para que o povo possa opinar e decidir, é necessário que tenha conhecimento dos avanços concretizados.
Logo após apresentar cerca de 100 propostas para a Participação Política, quando, ao mesmo tempo, respondíamos a todas as questões apresentadas pelo governo fora da ordem da agenda, e após mostrarmos um empenho de 24 horas por dia para resolver desentendimentos e mostrar soluções repletas de bom senso e absoluta vontade de reconciliação, não é sensato que se pretenda mostrar a insurgência como a parte do diálogo que procura impedir o avanço do processo.
Apesar de, na prática, o tratamento repressivo dado aos protestos dos cidadãos não mostra uma real vontade de solução aos problemas sociais; se observarmos bem, se analisarmos com atenção o que em matéria de acordos se acertou em Havana, a opinião nacional poderá considerar que, da nossa parte, as pontes que construímos estão apoiadas sobre os cimentos e as colunas de preceitos e normas que não ultrapassam o ordenamento constitucional.
Não é realista pretender que admitamos que impere a unilateralidade nas determinações sobre temas cruciais, como o marco jurídico para a paz e o assunto do referendo, em respeito aos quais existia o compromisso de discuti-los na mesa de conversações.
Então, quem coloca os obstáculos se do que se trata é que o diálogo seja diligente, ou seja, sem dificuldades?
Se quando falamos de rapidez nos referimos ao tempo necessário, este tempo não pode ter uma dimensão tão breve que torne impossível refletir da melhor maneira sobre os problemas que causaram uma guerra de mais de meio século. Menos ainda os ciclos devem ser desperdiçados nos caminhos e descaminhos dos labirintos gramaticais, nem se distrair com ninharias em detrimento da solução dos problemas fundamentais, concretos, que as pessoas nas ruas estão reivindicando claramente.
Se se mantém o absurdo de não divulgar com mais frequência a totalidade da prioridade em cada ciclo, de onde se tira a infeliz ideia de que o lento progresso retira apoio às conversações?
Como o país pode saber qual é a dimensão desse avanço se lhe privam de uma informação a que tem direito? Quanta razão tem o comandante Timoleón! Não é justo responsabilizar o processo pela desaprovação que a chamada opinião pública tem a respeito de quem conduz a política oficial, como tampouco não se valorize o dano produzido pela sua vinculação ao processo eleitoral.
Desde Oslo e muito antes, o governo sabe que, quando tomamos a decisão de iniciar o processo de paz, nosso propósito fundamental era discutir e buscar solução para os problemas estruturais que causaram o conflito político, social e armado que sangra o nosso país. Com essa convicção, firmou-se o acordo de Havana, tal como, de maneira muito breve, mas precisa, está registrado em seu preâmbulo. Assim, não são pertinentes nem corretas as interpretações restritivas que se pretende impor como constante, aqui sim como obstáculo, ao desenvolvimento das discussões.
Somente quem sempre acreditou que o nosso povo é ignorante pode considerar que a Colômbia esteja desorientada, ou não tenha claro o propósito das conversações. Nós temos confiança na sabedoria das pessoas comuns e, por isso, consideramos suas contribuições, suas reivindicações, seus sonhos de nação, para fazer possível o que sempre se lhe tem sido negado: expressar-se e ter vida digna.
Neste encerramento de ciclo, o país deve ter clara uma grande verdade: temos trabalhado a fundo cada dia; não há jornada em que não apresentamos propostas e soluções; não houve um dia em que não propiciamos um avanço; por isso, ainda que nos sentimos envolvidos pelo manto do dever cumprido, estamos redobrando nossos esforços para que possamos dar rapidamente a boa nova de um informe satisfatório sobre o ponto de participação política, que encha de otimismo e maior convicção os corações dessa imensa massa de despossuídos que verdadeiramente deseja a conquista da paz.
*DELEGAÇÃO DE PAZ DAS FARC-EP*
Havana, Cuba, sede dos diálogos de paz, outubro de 2013

Nenhum comentário:

Postar um comentário